domingo, 27 de novembro de 2011

Morar sozinho

Nestes pouco mais de três anos como habitante único dos endereços por onde passei, descobri algumas coisas sobre esta valorosa arte de morar sozinho.

A principal delas, acredito, é que morar sozinho é como ser o único ator em um espetáculo repleto dos mais diversos personagens do cotidiano. E mesmo tendo que se virar para representar a todos, ser ainda sua própria platéia.

Mais do que tentar ser um pouco cozinheiro, diarista, eletricista e encanador, é ser seu próprio psicólogo, quando você está deprimido e não encontra saídas para uma vida feliz.

É ser seu próprio enfermeiro, quando a doença atinge o corpo e é preciso controlar o repouso, preparar a canja, tomar os remédios com seus devidos intervalos de tempo.

É ser sua própria mãe, para reclamar dos horários, mandar dormir um pouco mais cedo, sugerir as contenções de despesas.

É também tentar ser seu amigo, tanto o que te faz rir, quando sentir que falta um pouco de diversão, quanto o que te convence a sair de casa em uma noite preguiçosa.

Morar sozinho pode ser a melhor escolha de sua vida. Da minha, acredito que tenha sido. Mas ao mesmo tempo em que nos oferece certa independência das regras familiares, nos torna ainda mais dependentes de nós mesmos.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Traumas musicais

Há uma triste verdade sobre as músicas que gostamos. Por mais que a gente queira, elas jamais servirão para funções nobres como as de despertador e toque de celular.

Já faz algum tempo que insisto em ser acordado por músicas legais e empolgantes, acreditando que isso possa tornar menos árduo esse momento crítico do dia. Mas não só isso não funciona, como recentemente precisei remover Give it away, do Red Hot Chili Peppers, da minha playlist por puro trauma.

Acostumei então a escolher um som de alarme sabendo que logo terei de dizer adeus, como em qualquer relação desgastada. É uma escolha difícil. Hoje acordo com Purple Haze, do Jimi Hendrix, sabendo que logo ela se tornará antipática, bem como aquelas que nos lembram amores mal-resolvidos.

Com toques de celular as experiências são ainda piores. Talvez por eu não apreciar receber ligações em geral, o som do toque me remete ao chefe que liga durante a folga, ao amigo que me chama empolgado em um dia preguiçoso, às inevitáveis e imprevisíveis más notícias da vida. E foi por isso que nos últimos tempos excluí de minhas listas Fly Away, do Lenny Kravitz, Higher Ground, do Stevie Wonder (com dor no coração), e Night Time is The Right Time, do Ray Charles (e da minha formatura), entre outras que no início até me faziam deixar o celular tocando por um tempo maior que o necessário.

Acredito que na época dos toques polifônicos ocorresse o contrário. Ouvir aquela singela simulação de uma música que gostássemos dava vontade de ouvir o som verdadeiro. Escolhemos músicas para despertador e toque sabendo que logo nos deixarão traumatizados, como as que ouvimos diariamente na abertura da novela.

É verdade que, apesar dos pesares, não abri mão ainda de tornar musicais estes momentos do dia-a-dia. Se hoje o leitor me ligar, atenderei ouvindo We’re Gonna Groove, do Led Zeppelin. Mas dificilmente ouvirás esta bela música em uma festa na minha casa em um futuro próximo.

domingo, 6 de novembro de 2011

Vocês que bebem pra esquecer

Admiro com certa inveja todos vocês que bebem pra esquecer. Pelo mesmo motivo que invejo os bons tocadores de harmônica: por simplesmente não dominar a arte.

Ainda que sem poder oferecer qualquer explicação convincente, sempre que tenho mágoas a afogar, opto por permanecer sóbrio, para absorver toda a melancolia ao invés de despejá-la por aí.

Da mesma forma que não sou um bom conselheiro para os amigos que por ventura precisem ser aconselhados, sou fraco para receber conselhos. Desabafo comigo mesmo e sou o meu pior juiz.

Admiro e invejo quem recebe uma má notícia e vê nela antes de tudo um motivo para encher a cara à noite.

Às intempéries da vida, reajo com não recomendável preguiça existencial. E sou da turma que até para beber uma cerveja precisa de um pouco de motivação.

Sou anti-social nas más horas. Por algum motivo, sinto que um grande problema tira o direito de me sentir bem. Expurgo os fantasmas com doses fortes de reclusão, café e um pouco de blues. E mesmo do prazer das palavras, lidas ou escritas, preciso me distanciar.

Se você enche a cara para esquecer, não importando se esquece de fato ou não, saiba que o admiro e invejo profundamente.