quarta-feira, 16 de junho de 2010

O dia em que me revoltei

A cena que presenciei hoje à tarde foi qualquer coisa de revoltante. Acreditem. Mandaria prender a infratora. Aconteceu agora há pouco, e ainda não estou calmo o suficiente para narrar. Mas acompanhem:

Foi no trensurb, sentido Mercado-São Leopoldo. Eram duas senhoras, entre 50 e 60 anos. Uma sentada ao meu lado, a outra de pé, em frente à amiga. Companheiras de longa data, percebia-se. No momento em que as reparei ao meu lado, a senhora de pé mostrava à outra algumas fotos em seu celular. Curioso que sou, desliguei o rádio (também porque começava a Voz do Brasil), e fiquei a acompanhar aquilo que, imaginava, seria uma animada conversa.

Para toda a foto que exibia, um comentário da autora. Apurei tratar-se da decoração nova da sua loja. Garanto que não foram menos de 30 as fotos mostradas. Paredes pintadas, portão de entrada novo, cortinas, coisas assim. Comecei a ficar inquieto, porque aquela sentada ao meu lado simplesmente não falava, apenas tecia alguns elogios vagos e fazia perguntas retóricas, aguardando a próxima foto. E as coisas assim e encaminhavam, até que, num impulso, ela finalmente tomou coragem e falou:

- Ganhei um neto, sabia? Agora são cinco. É do marido da minha filha (algo assim), que só agora ficou sabendo. Temos um enxertinho agora lá em casa.

Opa, um neto? E emprestado? Agora são cinco? E a reação da filha? Fiquei cheio de curiosidades, e esperando o desenrolar dessa história, que parecia, se não fascinante, pelo menos humana, como não será linda a avó que descobriu um novo neto, ainda que emprestado? Até fiz cara de interessado, e olhei para a que estava de pé. Foi quando quis mata-la.

Percebi que a senhora, nesse minuto e meio, não havia levantado os olhos do seu celular, escolhendo novas fotos para exibir! Aconteceu que, tão logo minha vizinha terminou seu intróito àquilo que seria a sua vez de entrar na conversa, a amiga emendou:

- Olha essa, é do jardim.

Pasmei. Fiz cara de paisagem para ela, sem disfarçar. Vamos lá: O que passa na cabeça de uma pessoa que não ouve o que o amigo tem a dizer, ou nem sequer considera que ele tenha algo a contar? E quando se trata de algo relevante, como um novo membro na família, não merece uma mínima consideração? Nem uma breve pausa no egocentrismo das fotos da reforma da maldita loja?

Já escrevi outra vez sobre meu incomodo com pessoas que não sabem conversar. Só querem falar. Querem brilhar no palco da amizade. O outro que se contente com interjeições e trate de rir quando for para rir e chorar quando for para chorar. O “show do eu” é o motivo pelo qual estas pessoas vivem a desperdiçar o tempo alheio.

O monólogo deveria ser considerado crime. É uma tortura que se faz com os amigos. Amigos que jamais irão reclamar, por mais que se sintam incomodados. Porque mesmo a reclamação daria pauta para um novo espetáculo particular do outro, o que é a última coisa que se pode desejar.

Treinemos, portanto, a cara de paisagem. E que vá presa aquela assassina do diálogo.

5 comentários:

  1. ....por isso que tu não deu lugar no banco à senhora do celular?
    :P

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  2. Bem observado, Carol. Mas a que estava de pé era a mais jovem (tava até de Iphone!)

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  3. Tens toda razão, meu caro Andrei, teu texto chama a atenção para uma coisa preciosa: saber escutar e saber ouvir, ou seja, o diálogo. Essa é uma das coisas que o ser humano precisa aprender desde a mais tenra idade.

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  4. Mas que barbaridade. Fiquei com vontade de esganar a velhinha também. E, olha, não são poucas as pessoas adeptas ao "show do eu". O que há a fazer é treinar a cara de paisagem, como tu diz. hehehe.
    Muito bom o texto, Andrei!
    Beijão

    (Kk = Camila Dalzoto. hehehe)

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  5. Putz, eu sou tagarela, mas não assim, né?!
    Acho que deixo meus amigos falarem tb (deixo, né?! hehe)...

    Desculpa, mas preciso dizer (não desmerecendo a reclamação e sem querer mudar de assunto, hehe)... muito melhor do que o motivo da tua indignação é a perfeição da narrativa!!! Me senti assistindo a cena, com riqueza de detalhes!
    Ta ficando bom nisso, Andrei!!!

    VAI TER TEXTO CELEBRANDO O ANIVERSÁRIO??? (cobranças da leitora)

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