quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A longa noite dos desempregados


A matéria abaixo saiu há algumas semanas na revista O Caxiense. É sobre a absurda fila enfrentada por quem precisa encaminhar seguro-desemprego em Caxias. A jornada que pra mim começou às 5h, mas que pra quem estava na fila começou bem antes, rendeu uma história legal de contar. E espero que boa também de ler.


Elisabete Gabrielli tem um problema para resolver. Sentada em frente à porta de entrada do SINE para encaminhar o pedido de seguro-desemprego, a moradora de Ana Rech e ex-funcionária do Hospital Geral não sabia que era necessário primeiro retirar o fundo de garantia, na Caixa Econômica Federal, para ter acesso ao benefício. Poderia não ser nada demais, mas são 5:30, o dia sequer nasceu, e ela é a primeira de uma fila que dobra e esquina da Júlio de Castilhos com a Borges de Medeiros, quase chegando na Sinimbu. Para garantir uma ficha, pediu para o namorado guardar um lugar desde as 21:00 do dia anterior. Elisabete, que não revela a idade e aparenta ter 40 anos, só assumiu o posto às 5:00, nem está com sono. Mas agora este imprevisto. Começando a se desesperar, não sabe se fica ou se volta para casa, para tentar a sorte novamente no dia seguinte.

O emissário da má notícia foi o número 2 da fila, o açougueiro Luis Abel, de 30 anos. Desde as 22:00 de plantão, no aguardo por uma das 90 agora tão sonhadas fichas de atendimento, Luis tem uma garrafa térmica, um maço de cigarros e um cobertor. É sua segunda tentativa de encaminhar o pedido. Na primeira, pegou o primeiro ônibus do bairro Planalto, onde mora, e chegou às 6:00. Não teve a menor chance. Por isso decidiu radicalizar, sem dar sopa para o azar: já está há 7 horas sentado – às vezes deitado – e irá completar 8 horas e meia quando o SINE finalmente abrir as portas. Sem querer muita conversa, limita-se a comentar o que ouviu no rádio, em algum momento da manhã de sexta, dia da primeira investida: "por que não aparece nenhum político pedindo voto aqui? Eles sabem que isso é uma vergonha", esbraveja de dentro da jaqueta, antes de tentar engatar mais um cochilo.



O Sistema Nacional de Empregos (SINE) de Caxias vem operando com capacidade abaixo do ideal por falta de funcionários. As 4 vagas que deveriam ser preenchidas com a realização de concurso público ainda não foram ocupadas, e o quadro tende a ser agravado pela perda, a partir do início deste mês, de 5 funcionários terceirizados, que ajudam a manter o atendimento dentro de alguma normalidade. Não só os que perderam o emprego saem prejudicados. A defasagem também afeta os que pecisam fazer carteira profissional e os que procuram vagas no mercado de trabalho. Nesta madrugada de terça (31), a longa fila de desempregados também é formada por seus acompanhantes. Parece ser a situação ideal para provas de amizade e amor incondicional. Como a que está sendo dada por Paulo Panazzolo, desde a 0:00 ao lado da esposa, Vera, recém-demitida de uma imobiliária. Juntos na alegria, na tristeza e até no tédio, os moradores do bairro São Caetano vieram de carro e estão sentados em cadeiras de praia, cada um com o seu cobertor. Preferiram o chimarrão ao café. E como estão no início da fila, aparentemente não terão problemas para conseguir uma senha.



Deixando para trás o otimismo dos primeiros para caminhar um pouco e passar pelos não tão bem rankeados, percebe-se haver mais coisas inusitadas além de um repórter contando pessoas. Há gente que veio de bicicleta desde o bairro São José, amigas deixando a fila para olhar vitrines do outro lado da rua e uma curiosa barraca de plástico improvisada em meio ao mar de cobertores. Dentro dela, dormem as irmãs Marina e Letícia Lovat, de 27 e 17 anos, respectivamente. Como o sono é leve, elas acordam, baixam o plástico transparente que as protege e se mostram receptivas à conversa. Na fila mesmo está Marina, ex-funcionária de uma loja de acessórios para móveis. A irmã é mais uma a demonstrar solidariedade na madrugada. "Ela é muito companheira, nem foi difícil convencê-la a vir comigo", elogia a mais velha. O plástico estava no porta-malas do carro e serviu não apenas para amenizar o frio, mas também defendê-las da chuva leve que caiu em algum momento da noite. Sob a "barraca" mantiveram o café com leite e também os sanduíches que trouxeram em uma bolsa térmica. Ainda que distante dos primeiros lugares, elas também deverão cumprir com o objetivo da noite. Há menos de 50 pessoas na frente delas, sendo que nem todos concorrem a uma ficha.

Razões para se preocupar mesmo enfrentam os recém-chegados, que nem enxergam o início da fila por estarem a quase duas esquinas de distância. É o caso de Rodrigo Souza, de 23 anos, que só conseguiu chegar quase 6:00 porque não tinha ônibus mais cedo. Rodrigo trabalhava em uma metalúrgica e veio do bairro Cidade Nova. Sabe que dificilmente irá conseguir ser atendido, mas irá permanecer. Sua sorte irá depender da quantidade de acompanhantes e interessados em outros serviços que estiverem na sua frente. Mas, se todo mundo ali estiver em busca das mesmas fichas, é bom não marcar compromissos para a madrugada seguinte.

De volta ao início da fila, Elisabete Gabrielli está mais calma. Um homem que ouvia o relato do seu infortúnio – não ter sido avisada sobre a necessidade de retirar o fundo de garantia – apareceu com uma solução simples, mas não cogitada até então. "Ele falou para eu pegar a ficha e tentar trocar com alguém que consiga atendimento para o turno da tarde. Aí tenho a manhã para ir no banco e resolver tudo", comemora. Se tudo der certo, o relacionamento com o namorado, que após a madrugada em claro, agora dorme o sono dos justos, estará salvo. 



quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O que achei de Na Estrada


Na Estrada, adaptação do livro On The Road, do Kerouac, foi o filme que aguardei com maior ansiedade desde Pergunte ao Pó, também adaptação (bem fraca) de um livro que me marcou. Ao contrário de muitos fãs de On The Road, não saí do cinema desapontado. A resenha abaixo foi publicada na edição da semana passada de O Caxiense. A propósito, com o tempo vou postando aqui algumas matérias que faço na revista. 

Salles não é Kerouac. E por que deveria ser?


Adaptar para o cinema um livro que não possui apenas leitores, mas sim seguidores – o rótulo de "bíblia de uma geração" não pode ser mais adequado aqui – é um desafio que tem tudo pra dar errado. E para muitos que já foram ao cinema assistir Na estrada, adaptação do livro On the road, de Jack Kerouac, deu mesmo. A versão dirigida por Walter Salles tem dividido opiniões de espectadores e críticos, provocando discordâncias inevitáveis sempre que uma obra sagrada é maculada.

Publicado em 1957, On the road é bíblia por eternizar a trajetória de uma geração de jovens norte-americanos que, no fim dos anos 40, de mochila nas costas, buscou um caminho às margens da sociedade de consumo, vivendo sem regras e sem rumo, de carona em carona, apenas vivendo, loucos apenas por isso: viver. Essa turma, que nomeou a si mesma geração beat (a hipótese mais consistente do porquê do nome é ser o radical da palavra beatitude – alusão a uma certa iluminação mística oriental contida no pensamento dos beatniks, os integrantes daquele grupo de escritores e poetas), ditou novos caminhos para toda uma geração, e depois outra e nunca mais parou. Sempre vai haver um pouco de Kerouac em cada hippie de qualquer época. As viagens de Sal Paradise (alterego do autor) e Dean Moriarty (inspirado em Neal Cassady, amigo de Kerouac) viraram roteiro de peregrinações de apaixonados pelo livro de todo o mundo e o livro, publicado em 1957, foi decisivo para Bob Dylan e Jim Morrison, por exemplo, se tornasem os artistas contestadores e livres que foram.

Os temas que tornam universal a saga de Sal Paradise – a jornada do herói em busca de um sentido para viver e a dramática busca pelo pai (vivida por Dean, o verdadeiro protagonista) – o que fascina o leitor de On the road há mais de meio século (no Brasil, trata-se do livro mais vendido da coleção pocket da editora L&PM). Na estrada, o filme, é fiel do início ao fim. Tudo o que os fãs do livro (entre os quais me incluo fortemente) idolatram está lá: a estrada, o jazz, as drogas e o sexo, seja ele a dois, a três ou apenas uma dupla masturbação no carro. Mas há também o drama e a melancolia que dá início e fim à geração beat, que talvez por não saber para onde ir, não tenha mesmo ido a lugar algum. Vale citar que Jack Kerouac, o papa dos beats, morreu afundado em depressão profunda, transformado em um reacionário e negando a importância de tudo o que realizou.

Não dá para exigir que o expectador deixe o cinema com a mesma empolgação daqueles que terminaram a última página de On the road, decididos a mudar algo em suas vidas. São experiências totalmente diferentes, a começar pelo tempo: comparar duas horas numa sala em frente a uma tela com alguns dias e noites mergulhados em mais de 300 páginas parece inadequado. Finalmente, não sei que impacto pode ter o filme para quem não teve contato com a obra original. Talvez seja chato, maçante e sem sentido (o roteiro poderia contextualizar melhor o cenário em que se dão as loucuras daquela turma). Para este leigo em cinema, mas fã dos beats, valeu a pena. Se você já leu o livro, corra para o cinema. Se não leu, ainda é melhor correr para a livraria.  

domingo, 5 de agosto de 2012

100 atualizadas antes de dormir


Em um futuro não tão distante, tenho certeza que os amigos me ouvirão depositar a culpa de meus fracassos no botão F5, este que me faz passar o dia atualizando nada na tela do computador.

Maldito vício adquirido e agravado com o tempo, esse de ter que atualizar centenas de vezes por dia o Twitter, o e-mail, o Facebook, o site de notícias, o site de esportes, como se estivesse à espera de algo muito importante e que nunca chega.

Não é nada científico, mas creio que nove em cada 10 atualizações de página não resultam em absolutamente nada. É tão impressionante que até de madrugada, quando não tem mais ninguém pra escrever nada site nenhum, nem nas redes sociais, ainda assim eu não paro de atualizar, atualizar, atualizar.

Minha produtividade se torna inversamente proporcional à quantidade de atualizações de páginas, que na maioria das vezes atualizam a si mesmas. Penso em como deveria ser fácil ser jornalista quando se tinha à frente tão somente uma inerte folha de papel na máquina de escrever.

O vício de dar F5 deve ter efeitos devastadores a longo prazo. Quase posso sentir meu cérebro pedindo por atualizações enquanto tento dormir. É verdade que ainda não cheguei a interromper o sono para ligar o computador e dar uma última checada no mundo, mas sinto que esse dia não está longe.

A necessidade de ter alguém me falando algo no mundo virtual contradiz minha própria personalidade do lado de cá – de cá? –, em que nem gosto tanto assim de ser mencionado, notificado, marcado ou convidado para muita coisa. Mas como convencer meu sistema nervoso disso à essa altura dos acontecimentos, quando já sou um caso perdido, um cérebro disperso entre janelas e abas aguardando a próxima atualização manual?

Como não existe ainda um adesivo que a gente grude na pele para controlar a vontade de dar F5, prevejo anos de sofrimento para o atualizante compulsivo. Aos inventores se soluções mágicas para a humanidade, fica a dica e o apelo. Aceito até ser cobaia. 

sábado, 4 de agosto de 2012

Retomando


Amigos, nunca achei que fosse ficar tanto tempo sem escrever. 

É verdade que não sou um blogueiro disciplinado, mas fato é que se passaram quatro meses sem uma única palavra postada aqui - o que nem por um dia sequer deixou de me incomodar nesse período. Passei parte desse tempo sem escrever nada de fato e cheguei a achar que o assunto tivesse acabado, o que me deprimiu um pouco. Mas novas ideias surgiram e com elas a vontade de me comunicar de novo. Por isso vou tentar mais uma vez.  

Espero não ter perdido meu pequeno, porém apreciável público de leitores, e também que eu consiga manter uma rotina de atualizações freqüentes - e legais.

Desculpem as férias prolongadas, mas o blog finalmente está de volta. Ponto para a vontade, que finalmente equilibra o jogo com a preguiça.  

esse post é só para contar isso mesmo.