A matéria abaixo saiu há algumas semanas na revista O Caxiense. É sobre a absurda fila enfrentada por quem precisa encaminhar seguro-desemprego em Caxias. A jornada que pra mim começou às 5h, mas que pra quem estava na fila começou bem antes, rendeu uma história legal de contar. E espero que boa também de ler.
Elisabete
Gabrielli tem um problema para resolver. Sentada em frente à porta de
entrada do SINE para encaminhar o pedido de seguro-desemprego, a
moradora de Ana Rech e ex-funcionária do Hospital Geral não sabia
que era necessário primeiro retirar o fundo de garantia, na Caixa
Econômica Federal, para ter acesso ao benefício. Poderia não ser
nada demais, mas são 5:30, o dia sequer nasceu, e ela é a primeira
de uma fila que dobra e esquina da Júlio de Castilhos com a Borges
de Medeiros, quase chegando na Sinimbu. Para garantir uma ficha,
pediu para o namorado guardar um lugar desde as 21:00 do dia
anterior. Elisabete, que não revela a idade e aparenta ter 40 anos,
só assumiu o posto às 5:00, nem está com sono. Mas agora este
imprevisto. Começando a se desesperar, não sabe se fica ou se volta
para casa, para tentar a sorte novamente no dia seguinte.
O
emissário da má notícia foi o número 2 da fila, o açougueiro
Luis Abel, de 30 anos. Desde as 22:00 de plantão, no aguardo por uma
das 90 agora tão sonhadas fichas de atendimento, Luis tem uma
garrafa térmica, um maço de cigarros e um cobertor. É sua segunda
tentativa de encaminhar o pedido. Na primeira, pegou o primeiro
ônibus do bairro Planalto, onde mora, e chegou às 6:00. Não teve a
menor chance. Por isso decidiu radicalizar, sem dar sopa para o azar:
já está há 7 horas sentado – às vezes deitado – e irá
completar 8 horas e meia quando o SINE finalmente abrir as portas.
Sem querer muita conversa, limita-se a comentar o que ouviu no rádio,
em algum momento da manhã de sexta, dia da primeira investida: "por
que não aparece nenhum político pedindo voto aqui? Eles sabem que
isso é uma vergonha", esbraveja de dentro da jaqueta, antes de
tentar engatar mais um cochilo.
O
Sistema Nacional de Empregos (SINE) de Caxias vem operando com
capacidade abaixo do ideal por falta de funcionários. As 4 vagas que
deveriam ser preenchidas com a realização de concurso público
ainda não foram ocupadas, e o quadro tende a ser agravado pela
perda, a partir do início deste mês, de 5 funcionários
terceirizados, que ajudam a manter o atendimento dentro de alguma
normalidade. Não só os que perderam o emprego saem prejudicados. A
defasagem também afeta os que pecisam fazer carteira profissional e
os que procuram vagas no mercado de trabalho. Nesta madrugada de
terça (31), a longa fila de desempregados também é formada por
seus acompanhantes. Parece ser a situação ideal para provas de
amizade e amor incondicional. Como a que está sendo dada por Paulo
Panazzolo, desde a 0:00 ao lado da esposa, Vera, recém-demitida de
uma imobiliária. Juntos na alegria, na tristeza e até no tédio, os
moradores do bairro São Caetano vieram de carro e estão sentados em
cadeiras de praia, cada um com o seu cobertor. Preferiram o chimarrão
ao café. E como estão no início da fila, aparentemente não terão
problemas para conseguir uma senha.
Deixando
para trás o otimismo dos primeiros para caminhar um pouco e passar
pelos não tão bem rankeados, percebe-se haver mais coisas
inusitadas além de um repórter contando pessoas. Há gente que veio
de bicicleta desde o bairro São José, amigas deixando a fila para
olhar vitrines do outro lado da rua e uma curiosa barraca de plástico
improvisada em meio ao mar de cobertores. Dentro dela, dormem as
irmãs Marina e Letícia Lovat, de 27 e 17 anos, respectivamente.
Como o sono é leve, elas acordam, baixam o plástico transparente
que as protege e se mostram receptivas à conversa. Na fila mesmo
está Marina, ex-funcionária de uma loja de acessórios para móveis.
A irmã é mais uma a demonstrar solidariedade na madrugada. "Ela
é muito companheira, nem foi difícil convencê-la a vir comigo",
elogia a mais velha. O plástico estava no porta-malas do carro e
serviu não apenas para amenizar o frio, mas também defendê-las da
chuva leve que caiu em algum momento da noite. Sob a "barraca"
mantiveram o café com leite e também os sanduíches que trouxeram
em uma bolsa térmica. Ainda que distante dos primeiros lugares, elas
também deverão cumprir com o objetivo da noite. Há menos de 50
pessoas na frente delas, sendo que nem todos concorrem a uma ficha.
Razões para se preocupar mesmo enfrentam os recém-chegados, que nem enxergam o início da fila por estarem a quase duas esquinas de distância. É o caso de Rodrigo Souza, de 23 anos, que só conseguiu chegar quase 6:00 porque não tinha ônibus mais cedo. Rodrigo trabalhava em uma metalúrgica e veio do bairro Cidade Nova. Sabe que dificilmente irá conseguir ser atendido, mas irá permanecer. Sua sorte irá depender da quantidade de acompanhantes e interessados em outros serviços que estiverem na sua frente. Mas, se todo mundo ali estiver em busca das mesmas fichas, é bom não marcar compromissos para a madrugada seguinte.
Razões para se preocupar mesmo enfrentam os recém-chegados, que nem enxergam o início da fila por estarem a quase duas esquinas de distância. É o caso de Rodrigo Souza, de 23 anos, que só conseguiu chegar quase 6:00 porque não tinha ônibus mais cedo. Rodrigo trabalhava em uma metalúrgica e veio do bairro Cidade Nova. Sabe que dificilmente irá conseguir ser atendido, mas irá permanecer. Sua sorte irá depender da quantidade de acompanhantes e interessados em outros serviços que estiverem na sua frente. Mas, se todo mundo ali estiver em busca das mesmas fichas, é bom não marcar compromissos para a madrugada seguinte.
De
volta ao início da fila, Elisabete Gabrielli está mais calma. Um
homem que ouvia o relato do seu infortúnio – não ter sido avisada
sobre a necessidade de retirar o fundo de garantia – apareceu com
uma solução simples, mas não cogitada até então. "Ele falou
para eu pegar a ficha e tentar trocar com alguém que consiga
atendimento para o turno da tarde. Aí tenho a manhã para ir no
banco e resolver tudo", comemora. Se tudo der certo, o
relacionamento com o namorado, que após a madrugada em claro, agora
dorme o sono dos justos, estará salvo.
Andrei, excelente! Dias atrás enfrentei situação semelhante,fila daqueles que esperavam por fichas de atendimento no posto de saúde! Cheguei tb por volta das 5h, mas os cidadãos aguardavam desde às 23 horas...
ResponderExcluirBjo guri, saudade
Valeu, Cathi! É triste ver esse descaso com o pessoal que já está fragilizado por estar desempregado (ou doente, no caso da tua pauta). Bjs, querida!
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