quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Aos eternamente invejados


O amigo leitor talvez já tenha deparado por aí com alguém que se considera o umbigo do mundo. Uma dessas pessoas que se sentem muito vigiadas, além de um frequente alvo de inveja e fofocas.

Uma dessas pessoas que, como forma de desabafar pela inveja que pesa sobre seus ombros, esbravejam pelas redes sociais para que os outros cuidem de suas próprias vidas, que paguem suas contas para depois falarem delas. “Tua inveja faz a minha fama” elas gostam de dizer.

Como eu não acredito que haja tanta inveja assim espalhada por aí, ou não na mesma proporção que os que se sentem invejados imaginam, achei ótima e precisa esta frase do David Foster Wallace*, que hoje dedico a essas pobres vítimas do mau agouro crônico e das piores conspirações do universo:

“Você irá se preocupar menos com o que as pessoas pensam sobre você quando perceber o quão raramente elas fazem isso.”

E podem acreditar nisso.


*Autor do discurso sobre a liberdade de ver os outros, já postado aqui.

sábado, 27 de agosto de 2011

Somos todos endividados

Por querermos colher hoje os frutos daquilo que deixamos/esquecemos/preferimos não plantar no passado, percebo que todos temos incontáveis dívidas a cobrar de quem já fomos.

Pois tudo que nos cabe fazer da vida hoje tem uma ligação intrínseca com o que fizemos no passado. E por carregarmos o fardo de nossas escolhas, no futuro cobraremos deste que somos hoje ter feito um pouco melhor.

Pensei bastante sobre isso quando imaginei que seria ótimo tocar harmônica em uma banda de blues. Seria ótimo se não fosse impossível, pois nunca aprendi a tocar harmônica. Ora, se eu sempre gostei de blues e de gaitas de boca, por que, nestes anos todos, nunca aprendi a tocar? Deveria ter considerado a hipótese de que um dia tocar harmônica em uma banda de blues me faria feliz.

Hoje não estou com paciência, nem muito tempo, para ter aulas de harmônica. Por outro lado, se não quero que daqui a alguns anos tenha essa dívida para cobrar do meu eu presente, deveria ceder e finalmente aprender a tocar esse instrumento?

É mais ou menos o mesmo princípio de quando não queremos estudar, mas compramos a idéia de que no futuro pode ser importante ter estudado, e por isso estudamos. Ou não estudamos, e assim contraímos uma dívida, que só cobraremos de acordo com as necessidades ou desejos que surgirem com o passar dos anos.

Creio não se tratar de arrependimento, que seria desejar ter feito diferente. Mas sim de questionar, com maior ou menor grau de culpa, o que nos levou às escolhas que fizemos.

Pensar sob esse ângulo faz parecer que cobramos de outra pessoa, com vontades que em nada dizem respeito às nossas. Quando penso que deveria ter aprendido a tocar harmônica (é só um exemplo, dos mais simples e despretensiosos. A coisa pode ser bem mais séria), pareço cobrar uma herança não recebida. Como se não fossemos o mesmo, aquele que não quis aprender e o que agora queria tocar em uma banda de blues.

Afinal, o que resta para o eu presente fazer que não vá desapontar o igualmente importante eu futuro? Pensar que o eu futuro herdará aquilo que eu escolher hoje torna tudo um pouco mais relevante.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Ciúme

Parafraseando Guilherme de Almeida, que termina o poema O Ciúme dizendo, sobre sua amada, “tenho ciúme de quem não te conhece ainda, e cedo ou tarde te verás, pálida e linda, pela primeira vez”, vou contar que tenho sentimentos parecidos.

Um certo zelo velado pelas boas sensações que experimentamos e que não se repetem. Não para nós, mas apenas para os que ainda irão experimentá-las. Ciúme mais ou menos como o do poeta, ainda que mais singelo do que este irrecuperável ciúme da primeira visão de uma linda mulher.

Exemplos?

Ciúme da insegurança de quem vai sair de mãos dadas com a namorada pela primeira vez.

Da euforia de quem ainda vai passar no vestibular e ver seu nome no listão do jornal (só depois cai a ficha de que difícil mesmo é não passar na maioria dos vestibulares).

Da felicidade de quem dará início a muitas amizades de sala de aula, no colégio, na faculdade, onde for, e, sem que precise esforço, manterá as melhores.

Da irracionalidade de quem se tornará um fiel devoto de uma banda de rock (como eu fui duas vezes, pelo menos) e deixará crescer o cabelo, vestirá camisetas da banda, rasgará as calças, aprenderá a tocar um instrumento, formará uma banda com os amigos.

Do esforço de quem passará uma noite sem dormir apenas para descobrir como o dia amanhece (mais tarde viramos a noite ao natural e nem sempre é tão poético).

Tudo isso e muito mais já foi novidade em nossas vidas antes de se tornar comum. E poucas coisas guardam o sabor das primeiras vezes. O que não podemos reviver, desejamos que outros vivam igual. E não cansamos de falar o quanto foi bom. Mas só até onde o nosso ciúme permite.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Sobre linhas tênues

Com ou sem sombrinha, amigos leitores, difícil mesmo é se equilibrar nas cordas bambas da vida. Pelas linhas tênues que percorremos, o tombo parece sempre o próximo passo.

Vivemos, afinal, entre a agonia das longas saudades e o enfado do convívio diário.

Entre a timidez que desperta o interesse e a quietude inerte que entedia.

Entre a inteligência que faz amigos e o pedantismo que os afasta.

Entre a felicidade que contribui para a felicidade dos que gostamos e a euforia, tão somente.

Entre o otimismo, tão somente, e a ingenuidade da expectativas frustrantes.

Entre a paciência de esperar e a omissão de preferir não agir.

Entre a beleza que encanta e a beleza que intimida.

Entre o amor cuidadoso e preocupado e o apego obsessivo.

Entre o amor descuidado e o desamor.

Entre o amor como objetivo e o amor como objeto.

Entre as coisas ruins que fazem bem e as coisas boas que fazem mal.

As linhas tênues da vida são mesmo um convite ao tombo.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A gente mesmo, demais


- O senhor sabe o que é o silêncio? É a gente mesmo, demais.

(fala do jagunço Riobaldo em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa)


Não parece haver busca mais compensadora na vida do que a do autoconhecimento. Conhece-te a ti mesmo, disse Sócrates, e quase toda a filosofia se dá a partir desse desejo que temos de reduzirmos nossa ignorância acerca de quem somos. Mas como pode, ao mesmo tempo, ser tão frustrante, ao ponto de ser perigoso, conhecer a si mesmo?

As poucas certezas que acumulamos tendem a ser pouco complacentes com o nosso projeto de vida. E não sermos o que achamos que seríamos talvez seja esse um dos grandes causadores das nossas maiores e mais verdadeiras tristezas.

Temos defeitos demais, erramos demais e nossas escolhas raramente estão certas. Temos todos os motivos possíveis para passar a vida arrependidos, se assim quisermos. E ainda passamos boa parte da juventude sob o pensamento de que éramos feitos somente para experimentar grandes coisas. Mas somos absurdamente comuns, e não é nada fácil se acostumar a isso.

A busca por conhecer a si mesmo é um prato cheio para o julgamento apressado, que impede uma proximidade maior da compreensão, que por sua vez seria um grande passo para nos tornarmos um pouco melhores. Mas, como já escrevi aqui, julgar é mais rápido e mais fácil - e por isso mais tentador - do que compreender. E o pouco que julgamos saber de nós mesmos se perde em uma série de conceitos equivocados.

É um tanto quanto irônico, mas nosso maior objetivo pode levar ao mais profundo abismo. O autoconhecimento, verdadeiro, é difícil de encarar. Que ele venha sempre fantasiado com belas máscaras parece até melhor.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Clapton vem aí

Com o ingresso para o tão esperado show do Eric Clapton em POA devidamente comprado, este blogueiro lista abaixo dez canções que ajudaram a fazê-lo gastar os inflacionados R$ 180,00 pelo bilhete (que é o mais barato possível). Como tudo na vida, também já foi mais barato ir a grandes shows na capital.

Sou um grande fã do Clapton desde que conheci o MTV Unplugged - lá pelos idos de 2002 - que ainda é o meu álbum preferido da discografia dele. Depois vem o From The Cradle, que é mais blues que qualquer outro. Também sou mais adepto das releituras do que das composições próprias do Slow Hand, tanto que a maioria dos sons abaixo não é de autoria dele, mas sim versões de clássicos como Love in Vain e Hoochie Coochie Man.

Abaixo, a lista com breves e dispensáveis comentários. Para ouvir, é só clicar no título.

- Nobody Knows You When You’re Down And Out Versão de um blues lá dos primórdios, da Bessie Smith, e que aparece bem trabalhada no MTV Unplugged. Além de ser linda, vale também pelo título.

- Ramblin’ On My Mind A minha preferida. Está no álbum Stages, mas há outras versões ao vivo e acústicas também bem legais. Espero que ele toque essa no show.

- Hoochie Coochie Man Um dos maiores clássicos de Willie Dixon, que é o compositor mais clássico do blues. Clapton gravou essa no ótimo From the Cradle, de 1994.

- How Long Blues Outra do From The Cradle, é um som acústico bem arrastado e legal de cantarolar a esmo por aí.

- Cocaine Daqueles sons com riffs e refrões marcantes, que são especialidade do Clapton, tipo Layla, Bad Love, Change The World, entre outras, esse é o que mais curto.

- Kindhearted Woman Releitura do grande Robert Johnson. A melhor versão é esta, ao vivo, no álbum duplo intitulado Blues.

- Wonderful Tonight O Clapton tem várias baladinhas que todo mundo conhece. Tears in Heaven, a maior delas, não me agrada muito. Mas Wonderful realmente emociona.

- Got You On My Mind - Na minha opinião, é uma das poucas que se salvam no fraco álbum Reptile, cuja turnê o trouxe a POA pela primeira vez, em 2001. Mas para quem comprou o CD, Got You... talvez valha todo o investimento.

- Before You Accuse Me - Acredito que a original seja do Bo Diddley. A primeira versão do Clapton está no álbum Journeyman, mas há várias outras, ao vivo e acústicas, todas bem pegadas. E o refrão é mais uma lição de vida que o blues nos ensina.

- Alberta Embora conheça praticamente toda a discografia, minhas preferências têm forte influência do MTV Unplugged. Não adianta querer disfarçar. Poderia citar ainda Hey, Hey, San Francisco Bay Blues, e por aí vai...mas Alberta representa bem a beleza do álbum.