segunda-feira, 27 de junho de 2011

Terapia da fofoca

Estou convencido de que minha vizinha elevou a fofoca ao mais puro estado de entretenimento. E com ela descobri que a fofoca generalista e impessoal tem lá sua graça, afinal.

Essa jovem senhora de 60 e poucos anos e eu fofocamos quase que diariamente, geralmente antes, durante e na saída do elevador. Como ela desce alguns andares abaixo, chego a ficar segurando a porta por alguns minutos, enquanto o papo não se esgota. E nunca citamos um nome sequer.

Hoje, por exemplo, falamos sobre um vizinho que fez a mudança pelas escadas e danificou as paredes com a quina de algum móvel. Não sabendo quem era o tal vizinho, criticamos genericamente os vizinhos que se mudam sem os devidos cuidados, estejam eles de chegada ou de saída. E sem ofender ninguém, nem mesmo os bons costumes.

Já desabafamos contra todos os vizinhos sem nunca ter criticado um que fosse, por não saber de quem estamos falando. É o que atira bitucas de cigarro, o que carrega o lixo sempre depois do caminhão passar, o que abre as correspondências deixadas sobre o balcão do hall de entrada. Boas deixas não faltam. Podemos fofocar até sobre eu mesmo, sem que a vizinha saiba de quem estamos falando.

Às vezes minha vizinha e eu nos encontramos no portão, às vezes ela está regando as flores. Encontro-a com a freqüência que encontro a todos os outros moradores somados. Acho que ela passa o dia analisando o cotidiano do prédio, a quem cuida como um filho.

Confesso que em alguns dias a maior interação social que experimento são os 10 minutos de fofocas com essa senhora simpática e indiscreta. A fofoca que não se interessa pela vida dos outros é uma fofoca simplesmente pelo prazer da fofoca. Uma fofoca terapêutica.

São sempre elogiáveis as relações superficiais da vida.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Jazz na sexta

n. 4 – Freedom, de Charles Mingus

A quarta edição do Jazz na Sexta traz o jazzista preferido deste blogueiro (que se já disse o mesmo sobre outro, mentiu): o baixista e compositor Charles Mingus. O tão genial quanto perturbador Charles Mingus, e sua banda igualmente fantástica, com Charlie Mariano no sax e Dannie Richmond na bateria (dois nomes que não figuram entre os graaaandes do jazz, mas que simplesmente deveriam).

Ninguém que justifica minimamente sua passagem por esta vida deve ficar indiferente ao som de Mingus. É um exagero, óbvio, mas necessário para ilustrar o quanto admiro esse cara, de quem já devorei a não-tão-bem-escrita autobiografia.

Mingus já esteve aqui no blog antes, é bom lembrar. Desta vez, a música qe compartilho com os amigos leitores é outra: Freedom, que fecha o álbum intitulado Mingus Mingus Mingus.

A peculiaridade deste som é o coral que abre a música, cantando duas belas estrofes, que são seguidas por instrumental realmente empolgante. Vale ouvir e depois ouvir de novo. As noites de inverno estão aí pra isso.

Charles Mingus - Freedom

segunda-feira, 20 de junho de 2011

5 ou 6 desejos para o inverno

21 de junho. Que o inverno, enfim, seja bem-vindo, e que proporcione dias e noites inesquecíveis para nossas retinas e nossos afetos.

Que meus gatos durmam suas 18 horas diárias ao redor do fogão ou aninhados nas roupas que conseguirem puxar do roupeiro, enquanto penso neles a 180 km de distância.

Que as mulheres fiquem cada vez mais belas e únicas na estação que melhor favorece os estilos mais diversos.

Que os donos de bar sejam complacentes e não encerrem mais cedo o expediente em nossos escritórios em pleno início da reunião.

Que a neve dê as caras como em seus anos mais eloqüentes, nem que seja por um dia apenas, pois quero tirar uma foto.

Que vá embora deixando saudades, nenhum dia antes de 22 de setembro.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Viver com açúcar

O tempo nos torna menos felizes ou apenas mais questionadores da felicidade? Tudo o que faço parece ser pela ilusão de reviver. Estou sempre querendo voltar ao que em determinado tempo me fez mais feliz.

Em tudo o que faço, acabo reencontrando algum vínculo com as boas lembranças, que afinal são boa parte do que temos para continuar a vida. Boas lembranças do passado e boas idéias para o futuro, eis o que nos move.

Posso sentar para escrever numa noite fria sem ter nada a dizer, mas preciso reviver as frias noites em que sentei para escrever tendo algo a dizer. E para isso ouço as mesmas músicas, deixo ao meu lado os mesmos objetos, a mesma caneca de café, faço do presente um cenário para representar o que já vivi.

Passo por uma locadora de vídeo-games e invariavelmente enxergo a mim mesmo com 12 anos, passando as tardes cultivando o primeiro vício da vida. Penso que deveria comprar um vídeo-game, reviver mais essa felicidade. A idéia só sai da cabeça quando lembro que as tardes já não são mais livres, assim como as manhãs, as noites, as madrugadas. Nos consumimos facilmente.

Em um supermercado, tudo me lembra a infância, principalmente os pães de mel que minha vó comia e sempre me dava um. Não sei passar indiferente pelo pão de mel na prateleira.

Penso onde estaria hoje a garota do primeiro beijo. Acho que só por nunca mais tê-la visto é que a lembrança se faz tão boa. O passar dos anos vai mitificando as pessoas que se ausentam da nossa vida e tornando-as cada vez melhores, conforme não as encontremos de fato.

Não faltam exemplos do quanto revivo, de fato ou no pensamento. Termino parafraseando Verissimo (o Luis Fernando), que certa vez disse que ser avô é o mesmo que ser pai, só que com açúcar. Reviver é como viver. Mas com um pouco mais de açúcar.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Novidades

Enquanto uma nova crônica imprescindível para o duvidoso futuro da humanidade não é publicada, este blogueiro aproveita para alertar os amigos leitores das novidades da casa.

A frase que abre o blog, no topo da página, por exemplo. Mudou. Sai o “Andreinews está de volta...” que, mais de um ano depois, já estava ficando um pouco defasado, e entra uma bela citação de Paulo Mendes Campos, retirada de uma entrevista dada ao Pasquim.

Na barra lateral, apresentamos os textos mais lidos e comentados desde que este blog entrou no ar, e os comentários mais recentes deixados pelos visitantes, sejam eles sócios ou não.

Finalmente, também na barra lateral, o registro de alguns momentos da breve e saudosa produção audiovisual no Portal3, minha primeira segunda casa. São vídeos bem legais (eu acho), que foram muito divertidos de fazer e me deixam muitas boas lembranças do ano de 2009.

E tudo isso de graça.

sábado, 11 de junho de 2011

Aos casais dessa minha vida


Feliz Dia dos Namorados, casais dessa minha vida!

Aos meus amigos, que, sem exceção, merecem os parabéns pelas namoradas que escolheram. E, principalmente, às namoradas dos meus amigos, que sem ressentimentos dividem com este inconveniente cronista a companhia de seus amados nos momentos em que a boêmia - tão alheia ao romantismo - se faz o mal necessário de nossas existências.

Queridos amigos de vidas compartilhadas. Que neste dia 12 de junho, o contrato de felicidade seja renovado por outros 364 dias. Com opção de renovação eterna, sem multa rescisória.

Jazz na sexta


n. 3 - So What, de Miles Davis

O Jazz na sexta desta semana, excepcionalmente postado no sábado, traz o gênio Miles Davis. Compositor que por várias vezes revolucionou o jazz, sendo o criador e principal difusor de novas vertentes, como o cool e o fusion, é também um trompetista de melodias incríveis.

Miles foi o primeiro jazzista que aprendi a gostar, lá pelos idos de 2004, através do algum Live Around The World, fantástico, principalmente para alguém que só ouvia rock. A guitarra do Mike Stern e o baixo de Daryl Jones (hoje nos Stones) foram uma boa forma de transição de uma fase roqueira para outra jazzística deste blogueiro.

Mas o que temos aqui neste post é Miles em sua melhor fase, e em melhor companhia. Na relaxante So What (algo como "e daí?"), do clássico Kind Of Blue (1959), o álbum de jazz mais vendido da história, dão o ar da graça músicos como o pianista Bill Evans e os saxofonistas Cannonball Adderley e John Coltrane.

Contemple a vida escutando os solos de So What.

Miles Davis - So What

terça-feira, 7 de junho de 2011

O dia ruim

Cadê a felicidade que estava aqui? Que tristeza foi aquela que me abateu ontem e, sem avisar, chorando se foi? É incrível como o nosso estado de espírito pode variar tanto de um dia para o outro, quando não da noite para o dia.

Creio que só pode ser pela coexistência em nossa vida, o tempo todo, de todos os elementos do drama e da comédia. Nunca faltam motivos para estarmos afundando em melancolia ou em radiante alegria. Somos reféns da memória curta e de uma tendência ao sensacionalismo.

Fato é que não costumamos viver um dia ruim como apenas um dia ruim. O dia ruim nos dá impressão de uma vida ruim. Alguma vez tudo, tudo mesmo, esteve errado? Claro que não. Mas vá se dar conta disso nas piores jornadas diárias.

Sabendo que não haverá dia em que um grande problema destrua tudo o que já nos fez e nos faz felizes, por que sucumbimos às vezes e temos tantas noites mal-dormidas? Noites em que, não bastando nosso infortúnio, avaliar como o mundo tem sido ingrato com tanta gente? Dá vontade de voltar para o útero.

Por isso que é imprescindível saber conviver com o dia em que nada deu certo. Evitar querer, justo neste dia avaliar, todo o resto que nos cerca, pois o mau humor a tudo distorce. Se estamos bem de saúde, se as pessoas que amamos estão bem e preocupadas conosco, se não nos falta algo de muito necessário para levar a vida, um dia ruim não pode ser nada além de um dia ruim.

Enquanto as respostas forem positivas, como normalmente são, vamos conviver, sem traumas, com o dia ruim.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Jazz na sexta


n.2 - Epistrophy, de Thelonious Monk

A segunda edição do nosso já tradicional Jazz na Sexta traz a finíssima Epistrophy, do pianista Thelonious Monk, um dos primeiros ídolos jazzistas deste blogueiro. Verdade que é uma composição em parceria com o bom baterista Kenny Clarke, mas isso é detalhe.

Monk é um dos mais geniais compositores e nem precisa que coloquemos o óbvio complemento “da história do jazz”. Independe de gênero ou época para estar entre os maiores. E, advinhem só: era um excêntrico. Gostava, por exemplo, de abandonar o piano em seus shows para dançar ao som da banda ou simplesmente ficar girando no mesmo lugar, como se estivesse hipnotizado. Daí pra pior.

Menos mal que a excentricidade do Thelonious, que tem um belo nome, diga-se de passagem - é proporcional à criatividade e originalidade de cada música que ele deixou. E isso não sou eu quem diz, mas gente que entende, avalizada. Eu só absorvo e formo minhas frases.

Em Monk, cada nota soa racionalmente escolhida e tocada. Por trás da aparente estranheza das melodias, suas composições são coerentes e lógicas, revelando uma combinação do jazz tradicional, do swing e do blues...” escreveu Carlos Calado, no livro-CD sobre Monk da coleção da Folha de S. Paulo.

Para este post, escolhi Epistrophy, de 1942, e não Round Midnight – a mais bela e que já postei aqui –, pela versão histórica que todos vão poder conhecer.

Trata-se de um show em que Monk divide o palco com o grande saxofonista – principiante à época - John Coltrane, no Carnegie Hall, em Nova York, e cujo registro em áudio só foi aparecer quase 40 anos depois, encontrado em algum porão da vida de alguém.


Thelonious Monk - Epistrophy