quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A arte de trovar



São 16h da primeira quinta-feira de outubro e o calor do sol castiga quem transita pelo populoso centro de Caxias do Sul. Próximo à esquina da avenida Júlio de Castilhos com a rua Moreira César, um rapaz de não mais de 1,70m se move com passos calculados, tentando não sair da sombra de uma árvore, no canteiro central. Ele tem a pele bronzeada, a barba por fazer e o cabelo arrepiado a base de gel e spray. Veste calça jeans e uma camisa do Juventude. Entre os dedos da mão direita, segura um cigarro que mal tem tempo de levar à boca. Não mão esquerda, está com dois buquês de crisântemos rosa. Outros 5 buquês, de rosas vermelhas e amarelas, mantém presos sob o braço esquerdo. Com o olhar atento de quem está sempre na rua, não perde de vista o balde que está ao lado da porta de uma ótica, recheado com pelo menos mais 5 buquês de flores diversas. Nesta tarde, como em qualquer outra, a missão de Diego Moroni é repassar o maior número possível deles para as mãos dos românticos transeuntes ou motoristas da cidade.

O vendedor de flores que até pouco tempo atrás podia ser visto todas as tardes na esquina da rua Coronel Flores com a Sinimbu, mas que há alguns dias deixou de ter ponto fixo, é o tipo de pessoa que já deve ter ouvido mais de uma vez que deveria se candidatar a vereador, pela popularidade de que desfruta. Entre seus incontáveis amigos do Centro, estão senhores em carros tão enormes quanto luxuosos, que baixam os vidros para trocar com Diego algumas palavras sobre qualquer banalidade que caiba em 10 ou 15 segundos, e senhoras – mais freguesas do que os homens – preocupadas em ter algum enfeite para receber as visitas na sala de estar. Vendendo flores desde os 10 anos de idade, Diego já descobriu que regar as amizades, e principalmente a clientela, é fundamental para não perdê-las.

Diego nasceu em São Marcos, há 35 anos, mas mora em Caxias desde os 20, no bairro Reolon. Divide a casa com o pai, a mãe, 8 irmãos e um cunhado, mas planeja se mudar em breve para um apartamento no Centro. Quer morar com a namorada. Já foi entregador de jornal e chapista do McDonald’s, mas sempre trabalhando meio turno, pois nunca deixou de vender suas rosas, crisântemos, orquídeas e gerberas. Nos finais de semana, Diego faz bicos como vendedor de bebidas em shows e em estádios de futebol, o que explica se seu rosto parecer familiar para públicos bem distintos. Com o salário e a comissão que recebe por buquê vendido, sua renda mensal gira em torno de R$ 1.000, sem contar os bicos.


Bem articulado, Diego concluiu o Ensino Médio na Escola Estadual Cristóvão Mendonza. Preocupado em atender bem a clientela estrangeira, chegou a frequentar por dois anos um curso de inglês. “Quando o cliente diz ‘no, eu respondo ‘obrigado’.” Mas por que obrigado? "Porque é assim também na língua dele”, confunde-se. Mas o que vale é a intenção. Nas suas mãos, os buquês custam R$ 10 cada, mas, “dependendo da cara do freguês”, como não tem vergonha de admitir, pode oferecer 2 ramalhetes por R$ 15. A clientela feminina é mesmo maioria. “Algumas compram para oferecer para uma amiga, mas a maioria é para enfeitar a casa”, analisa.

Na tarde em que acompanhamos o seu trabalho, enquanto ele está em sua estratégica posição sob a árvore do canteiro, uma senhora se aproxima do balde com os buquês. Ele interrompe uma conversa com uma amiga que estava passando por ali ao acaso, deixa-a aguardando e atravessa a rua para atender a também já conhecida Neusa Nery, de 42 anos, freguesa há alguns anos. Nessa ocasião, Neusa compra dois ramalhetes de rosas para a mãe e um ramalhete de crisântemo para a cunhada, ambas falecidas. É véspera de finados, o que, segundo Diego, não chega a incrementar o movimento. Talvez os mortos prefiram arranjos comprados prontos nas floriculturas. Antes de ir embora, Neusa deixa um elogio. “Sempre que eu penso em comprar flor, minha referência aqui em Caxias é ele”, brinca, sob o olhar orgulhoso do vendedor.

Quando não há nenhum freguês em potencial passando por perto, ocasião em que Diego aproveita para acender mais um cigarro, aproveitamos para perguntar qual o segredo para ser um bom vendedor de flores. “É saber trovar”, ensina. O que é trovar? “É ver uma senhora passando e sugerir: ‘vai uma flor para enfeitar a casa?’. Ou se passa um casal, perguntar para o homem: ‘não quer dar uma rosa para a namorada?’”. Mas não há argumento que supere a simpatia, um dom que ele sabe dizer até quando desenvolveu. “Sou simpático assim desde os 8 anos. Acho que desde essa idade que eu aprendi a gostar de alegrar as pessoas, de fazer todo mundo rir”, conta, com um sorriso bem característico, que é quase disfarçado. Talvez como o de quem acabou de contar uma piada que talvez só ele tenha entendido e você ficou no vácuo. 

Diego é mesmo um gozador. Ou será que alguém que leve a vida muito a sério vestiria, por baixo da camisa do Juventude, uma do Caxias, só para agradar a alviverdes e grenás? Das 8:30 às 20:30, o florista Diego, que os colegas conhecem por Alemãozinho, ganha seus dias se aproveitando da melhor forma dos afetos humanos. Pois enquanto houver romantismo, haverá um florista sorrindo pela rua.

*foto Paulo Pasa

5 comentários:

  1. parece o joelson, tecladista de bailão com a banda com a ste!!!!!

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  2. hahahaha....lembro dele. Pior que tem uma semelhança mesmo.

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  3. Essas histórias são sempre as mais inspiradoras. Digo porque quem vive bem, no conforto, sempre terá uma boa história pra contar, embora não o façam. No entanto pessoas assim, que correm dia após dia para tirarem daí o seu sustento,e ainda contam com graça das suas vidas merecem um prêmio!
    Ah, a história me recordou muito o livro da Eliane Brum no livro "A vida que ninguém vê" :).

    Um abraço!

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    1. Desculpa o sono que penetrou quase invisivelmente no comentário ao escrever duas vezes "livro", hehe!

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  4. Vi ele, naquela esquina que tu postou a foto com o sofá, (acho), perto da praça... rosas vermelhas lindíssimas e fechadas. Senhorinhas e o sorriso dele. Parei pra ver. Mas Caxias empurra a gente, leva por diante e é preciso fazer força pra parar e contemplar algo.
    Angela.

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