Parece
querer o destino que eu conviva com muito mais vizinhas
do que vizinhos. Vizinhas que na maioria das vezes passam por dramas
solitários, que de certa forma passei a acompanhar, como ouvinte ou
observador. Já revi alguns conceitos de vida nesse contato com as
vidas que minhas vizinhas levam, em São Francisco, em Bento, em São
Leopoldo, em Caxias do Sul. Para não constranger nenhuma, os casos
que conto abaixo estão quase todos no passado e não explicitam onde
foi. Mas quase todas ainda vizinham comigo, ainda são protagonistas
das histórias que em algum momento eu pude conhecer.
Tive
uma vizinha de uns 60 anos, talvez mais, que era bem solitária.
Compartilhava comigo no elevador notícias do filho que passou por
uma cirurgia delicada. Quando não nos encontrávamos no prédio, era
no shopping, onde nos fins de tarde ela ia tomar sorvete e voltava
com as compras para a casa. Tinha bom coração, essa vizinha, que
mais de uma vez me socorreu quando precisei de filtro de café e
papel higiênico. Meus vizinhos sempre foram mais úteis para mim do
que eu para eles. Outra vizinha, de seus 40 e poucos anos, que tem
como companheira de apartamento uma gata que eu ajudava a cuidar
quando ela viajava, fez sopa pra mim quando fiquei doente.
Tive
outra vizinha que convive com o drama de cuidar de um filho autista.
A dor de não conseguir escola especial, de não ver o filho brincar
com os amigos ou ter uma namorada, de não poder ter aparelhos
eletrônicos muito modernos em casa, porque ele destrói tudo logo no
primeiro dia. Há pouca paz no cotidiano dessa mãe, que apesar disso
é uma pessoa ótima, forte como poucas e até bem-humorada.
Com
algumas vizinhas que tive, convivi muito pouco mesmo. Mas menos nem
por isso esqueço delas. Teve uma que se jogou em direção a um chão de pedras para dar fim à vida, mas sobreviveu. Outra cuidava da mãe com câncer, e
com boa dose de razão reclamava do barulho que chegava do andar
debaixo. Outra, que vivia sozinha no andar de baixo, queria saber
sobre mim mas tinha vergonha de perguntar e pediu a uma outra que
descobrisse quem eu era, pedia notícias sobre meu estado civil. Foi
estranho me imaginar como assunto de conversas entre vizinhas.
Claro
que nem tudo é drama. Certa noite de verão em que eu estava na
janela, estendendo roupas, pude ver no apartamento de baixo um pouco
do corpo de uma vizinha que enchia o prédio com seus gemidos de
prazer. Naquela noite, o amor estava sendo praticado bem próximo à
janela. Não sei se por ouvirmos o nosso muito de perto, mas
fato é que tem um som sempre belo o amor dos outros.
Quando
morei em uma pensão, tive uma vizinha de quarto por duas noites, até
ela se mudar para um apartamento, que iria dividir com a
proprietária, pagando aluguel. Era de Pelotas, tinha 30 e poucos
anos, trabalhava em um sebo e me contou sobre o plano de fazer
intercâmbio na Inglaterra. Também tinha um filho, acho que de 5
anos, que morava em Pelotas com os avós, pais dela. Quando retornei
à casa alguns meses depois, para fazer uma matéria, soube que ela
estava de volta ao quarto que morava antes, dessa vez com o filho,
com quem passou a dividir a cama. Acredito que os planos de viagem
tenham sido postergados.
Nunca
fiz mais por minhas queridas vizinhas do que ouvi-las. Talvez seja a
única serventia de alguém que não é nada prático e não troca a
própria resistência do chuveiro quando queima. Por isso ouço-as
sempre com atenção (às vezes alguma curiosidade de jornalista
atrás de pauta), aconselho como posso, concordo com quase tudo o que
me dizem sobre a vida. Pois, em geral, minhas vizinhas dramáticas
também têm em comum o fato de saber mais sobre a vida do que eu.