Estou convencido de que minha vizinha elevou a fofoca ao mais puro estado de entretenimento. E com ela descobri que a fofoca generalista e impessoal tem lá sua graça, afinal.
Essa jovem senhora de 60 e poucos anos e eu fofocamos quase que diariamente, geralmente antes, durante e na saída do elevador. Como ela desce alguns andares abaixo, chego a ficar segurando a porta por alguns minutos, enquanto o papo não se esgota. E nunca citamos um nome sequer.
Hoje, por exemplo, falamos sobre um vizinho que fez a mudança pelas escadas e danificou as paredes com a quina de algum móvel. Não sabendo quem era o tal vizinho, criticamos genericamente os vizinhos que se mudam sem os devidos cuidados, estejam eles de chegada ou de saída. E sem ofender ninguém, nem mesmo os bons costumes.
Já desabafamos contra todos os vizinhos sem nunca ter criticado um que fosse, por não saber de quem estamos falando. É o que atira bitucas de cigarro, o que carrega o lixo sempre depois do caminhão passar, o que abre as correspondências deixadas sobre o balcão do hall de entrada. Boas deixas não faltam. Podemos fofocar até sobre eu mesmo, sem que a vizinha saiba de quem estamos falando.
Às vezes minha vizinha e eu nos encontramos no portão, às vezes ela está regando as flores. Encontro-a com a freqüência que encontro a todos os outros moradores somados. Acho que ela passa o dia analisando o cotidiano do prédio, a quem cuida como um filho.
Confesso que em alguns dias a maior interação social que experimento são os 10 minutos de fofocas com essa senhora simpática e indiscreta. A fofoca que não se interessa pela vida dos outros é uma fofoca simplesmente pelo prazer da fofoca. Uma fofoca terapêutica.
São sempre elogiáveis as relações superficiais da vida.